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Cidade Negra e Magia de Morte


Parte 6 da série: Contos Octarinos, hipersigilo em histórias curtas mesclando ocultismo e ficção. Parte 1: A Bolha Octarina Parte 2: Cidade Vermelha Parte 3: Cidade Laranja Parte 4: Cidade Azul Parte 5: Cidade Verde É um tour pelas cores da magia do caos, segundo sistematização de Peter J. Caroll. Aqui eu trago minhas elaborações pessoais a respeito desse estudo ao longo da trama. É a minha visão, que você pode ou não se identificar e adaptar às suas práticas, faça o que for melhor pra você. Se você quer entender mais sobre o assunto, recomendo os textos e livros da Penumbra Livros, o link está ao final dos textos. Espero que gostem!! Introdução

Quando eu ainda era um feto a morte flertou comigo, éramos duas crianças enroladas, rolando escada abaixo. Eu nasci, cresci e ela continuou me visitando sob diversas formas. Nas madrugadas solitárias surgia como uma sensação estranha, uma ausência de sentido, uma peça paradoxal faltando no quebra-cabeça. Algo que eu queria desvendar, mas tinha medo. Ela me impulsionava a viver tanto quanto me fazia querer morrer. Desde então eu flerto com ela também. Hades, Anúbis, Hécate, Kali, Perséfone, Thanatos (personificação da morte), Saturno... estes são alguns dos deuses relacionados à morte e submundo, os mais conhecidos. Existem muito mais além desses. Saturno é Cronos, o tempo. Implacável, tudo destrói. É regente dos sábados e foi esse o dia escolhido para conectar com o lado obscuro da magia.

Magia negra é popularmente vista como o tipo de magia que visa causar o mal e realizar desejos egoístas (ok, me diz qual desejo não é egoísta, mesmo que profundamente?), mas isso é fruto da demonização que até hoje se faz dos assuntos ocultos. Quando falo em magia negra, estou me referindo à uma das formas mágicas presentes dentre as cores da magia do caos. Ela não é boa nem ruim, é uma energia com qualidades específicas que podem ser utilizadas pra determinadas intenções. O que esses deuses tem a ver com isso? Magia negra está relacionada com a morte e a destruição tanto quanto eles, chamados deuses negros. O que é morte, o que é destruição? Ambas são processos naturais e necessários. A vida é igualmente construtiva e destrutiva, ao mesmo tempo que nos preservamos com alimentos e segurança, nossas células vão apodrecendo num processo lento, frio e calculista como Saturno. Na psicanálise, essa correlação é demonstrada no conceito de pulsão de vida e pulsão de morte, Eros e Thanatos.

Esses aspectos não necessáriamente se manifestam num nível físico como a morte do corpo ou apodrecimento de uma fruta. O arcano da Morte no tarot representa, principalmente, uma transformação. Todos os dias nascemos e morremos em nossas ideias, nos diversos ciclos da natureza. As mulheres tem uma relação direta com esse processo através do ciclo menstrual. O processo de envelhecimento, a decadência e o conceito de entropia são domínio da magia negra. Ela possui aplicação em magias destrutivas, necromancia (adivinhação através da comunicação com desencarnados), proteção e preparação para a morte, através da gnose da Morte. Sobre entropia, é um tema que ainda quero estudar a fundo para elaborar minhas próprias considerações. Abaixo um pequeno trecho sobre o assunto, do site Só Física, leia completo aqui. "Em termodinâmica, entropia é a medida de desordem das partículas em um sistema físico. Comparando este conceito ao cotidiano, podemos pensar que, uma pessoa ao iniciar uma atividade tem seus objetos organizados, e a medida que ela vai os utilizando e desenvolvendo suas atividades, seus objetos tendem a ficar cada vez mais desorganizados." Fazendo uma relação com o processo de morte e destruição, é parte da natureza dos sistemas físicos a degradação até a inutilização, ou seja, até um estado de desordem. A parte utilizável restante, se existir, poderá então ser transformada em algo novo, após a liberação do que já não servia mais ao sistema.

A Descida: Minha iniciação sombria veio com a descida à Cidade Negra, uma cidade subterrânea, assim como na história de Perséfone, Rainha do Submundo. O submundo é conhecido por representar também o inconsciente, pois está oculto. Uma sombra se projetou no chão em forma de silhueta e um buraco se abriu, revelando uma passagem de escadas.

O clima la é bem frio e úmido. O fogo de lá é altamente inflamável. Cai numa espécie de saguão escuro. Lá eu encontrei parentes já falecidos e ancestrais que me conduziram à uma sala com pessoas de capuz, nem tive muito tempo de explorar o lugar, mas percebi uma característica etérea representada pela névoa acinzentada, algo parecido com Silent Hill. Pela janela da sala eu pude ver um cemitério do lado de fora, eles logo fecharam a cortina mas eu já havia visto. Pareciam fazer parte de uma seita secreta. Eles me rodearam entoando:

"Debaixo da terra está A desordem natural Morte e Vida são a mesma Reconheça ambas as faces

Celebre a sua vida Comendo o fruto da morte Vida e Morte são a mesma Compreenda e transcenda"

Me explicaram que a partir daquele momento eu não poderia mais desistir. Eu iria vivenciar uma simulação de morte com o objetivo de me familiarizar com a energia negra. Fui levada à frente de um caixão aberto.

Me ensinaram a postura de morte para ser usada como preparação. A Postura de Morte é uma técnica inibitória criada por Austin Osman Spare, utilizada para se atingir gnose, o estado alterado de consciência onde grande parte da magia acontece. Costuma ser utilizada na magia do caos para o lançamento de sigilos. Um deles disse:

"De pé, braços cruzados atrás das costas e corpo arqueado desconfortávelmente. A intenção é provocar um desmaio ou o mais próximo disso através da tensão muscular e dificuldade respiratória. Quando estiver no limite apenas se jogue para dentro do caixão (era revestido de um material fofinho então não ia machucar). Nós vamos te fechar lá dentro e você deverá ficar o máximo que aguentar, quando quiser sair toque o sino. Você tem que ficar um tempo mínimo pra ser aprovada, mas não diremos qual é." Em nenhum momento minha vida foi colocada em risco. Depois descobri que eles não trancaram o caixão de verdade, imagina se algo acontece na hora de abrir? Apenas sentaram em cima e ficaram conversando e comendo petiscos.

Lá dentro eu fiquei sozinha comigo mesma numa completa escuridão. Coisas que nunca haviam passado pela minha mente vieram à tona, coisas que não posso comentar. No início foi fácil apesar do desconforto, minha habilidade com meditação foi o que me ajudou a abstrair. Eu me pergunto o que aconteceria se eu tivesse dormido ali. Provavelmente teria um pesadelo e acordaria sufocando e debatendo para que a tampa se abrisse. Estava começando a ficar nervosa quando ouvi a voz de "O". Ele não tinha se manifestado diretamente nas últimas experiências, apenas me acompanhava e observava de longe, com sua lamparina acesa flutuando. Mesmo assim eu não tinha dificuldade em compreender o que estava acontecendo, essa jornada mágica.

"Enquanto houver ar pra respirar e energia vibrando em seu corpo, nenhuma escuridão se apossará da sua mente, mas tu irá se apossar da escuridão e nela criar um novo ambiente"

Estava ficando quente e sufocante, mas eu queria resistir ao máximo. Refleti nas palavras de "O.". Cogitei tocar o sino, apreensiva. E se aquilo não fosse suficiente, seria tudo em vão? Aguardei mais um pouco, enquanto isso comecei a visualizar um lindo lugar, cheio de flores coloridas, música e vinho, eu dançava e cantava feliz. A ideia de morte me assustou e a vida eterna mais ainda. Não deu mais, o instinto humano gritou e toquei o sino. Ao sair estava desnorteada, não sei quanto tempo passou, parece ter sido mais do que eu pensei que suportaria. Só havia uma pessoa na sala. Era a Morte, ela me esperava. Se aproximou em silêncio, gelada tocou minhas mãos com seus ossos delicados. Colocou o chamado anel de Saturno em minhas mãos e pronunciou: "Em domínio da Vida Eu estou em tuas mãos Quando em minhas mãos estiver Serei paz em teu coração Sou suave

Imperceptível

Fria, lenta e calculista

Sou a fúria

Indomável Terrorista e destrutiva Escolha com sabedoria" Eu acordei já na minha cama. Demorou um tempo até eu retomar a consciência por completo. Precisaria de um bom banimento pra dissipar a densidade energética e um momento de introspecção pra digerir os acontecimentos.

 

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