Décimo quinto dia de dezembro, o ano é 2017, a neutralidade da internet é derrubada nos Estados Unidos e com ela cai o sonho de que esta tecnologia corre para tornar a humanidade um sistema igualitário de conhecimento. Vendemos o sonho de nossa raça por pouquíssimos niqueis, retirados do ventre de nossa mãe à custa de outras tantas vidas nos campos de mineração.
De certa forma, é disso que o Bruxaria Apocalíptica fala, da necessidade de nos levantarmos contra a vilipendiosa moral capitalística que nos atravessa — uma moral de dormidas sem sonhos, uma moral que nos impele a letargia, uma moral que cria uma geração de bruxos que conhecem muito bem os usos mais simples de uma lua minguante, mas é constantemente incapaz de nos dizer sem quaisquer meios de consulta em que fase da lua estamos.
A moral que cria bruxos avesso as questões ambientais e políticas do mundo em que vivem, das cidades em que vivem; bruxos que não choram a extinção das espécies nativas solapadas pela lama da Samarco. Uma série de pessoas que cultuam a religião da natureza, mas que jamais acenderam uma vela para que as empresas responsáveis fossem punidas.
O autor destaca:
“É a política que permite a destruição da própria terra que o ser defende, o homem é um animal político, aqueles que dizem que estão fora ou acima da política são os esotéricos, cujas mãos Limpas são lavadas no sangue daqueles que não tem escolha a não ser colocar as mãos na maquinaria.”
Quando eu comecei a ler Bruxaria Apocalíptica, achava em minha inocência que livro daria machadadas precisas na falta de ativismo político/cultural/ecológico dos bruxos em geral, ledo engano, o livro é um incêndio na floresta, Peter Gray não destrói falsas pretensões de ancestralidade, fugas da complexidade das divindades, reações de anulamento dos aspectos sombrios dos deuses e de nós mesmos e todo o resto a machadada; como no Apocalipse de João, o livro lança sobre nós uma estrela que nos queima e torna amarga a água que bebemos durante tanto tempo.
E o que é essa água? É a água da conformidade. Bruxaria Apocalíptica é um chamado às armas, uma trombeta que nos desperta para a iminência do juízo final, um apocalipse que nós mesmos provocamos em nossa inércia.
Nos escondemos por detrás de máscaras de inofensibilidade; quando muito, alardeamos poderes de vida e de morte sobre nossos inimigos, mas nos esquecemos que o verdadeiro inimigo quase nos venceu na era passada.
“O que está bastante claro é que a caça às bruxas não começaram com as bruxas e, portanto, não podemos evitá-las tornando-nos inofensivos e integrados e vinculando-nos aos sistemas corruptos de governança. (...) as acusações são sempre as mesmas, o que conta é como reagimos a elas, que verdades escondem e podem ser usadas para nos revelar.”
Enquanto nos digladiamos procurando pela tradição perfeita, a religião torna-se obrigatória nas escolas brasileiras; enquanto gritamos qual grupo de sagrado feminino é o melhor, Kyara Barbosa, uma mulher negra, nordestina, periférica e trans se mata, engolida pela depressão de anos de transfobia e tentativas de assassinato; uma voz que se cala em meio as estatísticas.
Bruxaria Apocalíptica não trás uma gama de rituais, nem mesmo uma série de feitiços fáceis. Apesar da escrita fluida, a pouco de fácil na leitura deste livro; ele nos trás algo ainda mais necessário: um panorama das coisas que por anos nos permitimos abster-nos. E como o próprio autor alfineta: a abstenção é uma forma de privilégio. O mesmo que muitos de nossos irmãos não tiveram.
No mais, é importante ressaltar a qualidade do acabamento da Penumbra neste livro, o que demonstra o respeito que a editora tem com seus leitores, trazendo um trabalho de excelente qualidade, livre de erros de digitação, com uma capa dura bastante sólida e, diga-se de passagem, bem condizente com o tema.
Sem dúvidas um livro de cabeceira para todo aquele que deseja seguir o caminho da bruxaria.