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Minha iniciação com a Mãe Terra


Como alguém que foi golpeado, caiu e se levanta aos tropeços, é assim que me sinto ao voltar a escrever sobre magia. Tenho que ser sincero, é um recomeço. O caminho da magia nunca me deixou, mas depois de cair de tantos castelos de cartas dentro desse mundo esotérico brasileiro, é difícil voltar a produzir conteúdo sem o mínimo de cautela. Você talvez não me conheça, mas eu sempre estive por ai nos últimos quinze anos, entre eventos místicos e espaços terapêuticos tentando fazer minha parte, tentando fazer parte de uma causa maior. Tentei me entrosar em diversos caminhos e tradições, mas sempre acabava esbarrando numa briga de egos sem fim, que cedo ou tarde, desmantelava todo entrosamento ou boas intenções das pessoas envolvidas. Vi muito espaço fechando e amizades sendo desfeitas por esse motivo. Claro que existiam e existem pessoas equilibradas nesse mundo místico, dentro e fora de tradições, mas há alguns anos atrás elas pareciam estar se escondendo, por isso achei prudente fazer o mesmo e me retirar também, pra por minha cabeça no lugar.

O caminho mais recente que deixei foi o do xamanismo. Como já escrevi no artigo anterior “Por que abandonei o xamanismo”, eu estava realmente muito mergulhado e focado nesse tema, mas um dia acabou. Tem que ter realmente muita coragem pra abrir mão do que não faz mais sentido para nós, e garanto, realmente não foi fácil, mas graças a isso, um novo universo de possibilidades se abriu. Eu estava tão amarrado aos pontos de vista dos outros, tão preso à forma de praticar e até de sentir a espiritualidade, que já não sabia mais o que era meu e o que era dessa ou daquela tradição.

Antes, ao ver o resultado de um ritual ou ao presenciar um pequeno milagre da natureza, eu logo tentava enquadrar aquele acontecimento em algum código mágico conhecido ou relacionava tão fato com alguma das divindades que faziam parte da cultura ou tradição mística que estivesse estudando. Assim eu evitava sem querer, a profunda conexão com o sagrado. Reconhecendo essa minha dificuldade, tive a necessidade de voltar minha atenção para aquilo que eu considerava a fonte da magia, a natureza em seu estado bruto. O brilho de uma gota de orvalho, um piado distante em harmonia com o som do vento, o cheiro da terra úmida depois da tempestade, as folhas se decompondo no chão da floresta... Essas manifestações da natureza, sem forma humana, sem rosto e sem gênero, eram meus deuses agora. A sensação que esse contato bruto despertava me colocava em um estado de pura magia. Seguindo dessa forma, depois de algum tempo, tudo passou a fazer sentido.

As plantas que sempre cultivei ganharam nova importância, agora eu podia sentir seus espíritos. Cada rega, adubação e poda gerava uma reação diferente em casa espécie. Cada vaso era um universo cheio de aprendizados espirituais e novos poderes a serem compreendidos. Conforme fui botando meu corpo pra trabalhar, respirando, transpirando e ficando cansado, fui me sentindo vivo, fui me sentido parte de algo maior que qualquer luta que eu quisesse travar no começo do meu caminho mágico. Quanto mais próximo da terra, mais próximo das forças da natureza, e quanto mais próximo da natureza, mais próximo da existência. Levou um tempo para que eu pudesse compreender que eu não estava fazendo um trabalho com a terra, mas sim comigo. Eu estava me escavando, me podando, me aguando e me vendo crescer através daqueles vasos, jardim e árvores. Eu era cada grão, broto e fruto. Eu era cada raio de sol, chuva e vento. Eu era o fogo, a terra, a água e o ar. Eu era a própria natureza. Chegar à conclusão que seu corpo, pensamentos, passos, atos e palavras são o corpo, os pensamentos, os atos e as palavras da natureza foi uma descoberta transformadora que me fez querer assumir um compromisso de devoção com a mãe terra. Então eu, esse cara sempre cheio de dúvidas e questões, caminhei decidido até o parque mais próximo para firmar minhas intenções sagradas. Coloquei-me de joelhos diante de um tronco caído na grama, olhei para imensa árvore a minha frente, me comprometi a dividir meus conhecimentos espirituais sobre a magia da natureza com o mundo, e chorei.

Quando realizo um ritual hoje em dia, chamo os espíritos das plantas amigas, convoco às forças das paisagens por onde ando e faço presente à força da natureza que sou. Abrir mão de tudo que não era meu, me fez sentir a magia de uma maneira mais pessoal, me colocou em contato com a “mãe terra” que habitava dentro de mim e me despertou um profundo sentimento de gratidão. Graças a esse trabalho de entrega a terra, que agora me sinto pleno pra falar de rituais, encantos e espiritualidade com minha própria voz. A jornada até este ponto não foi nada fácil e muitas outras coisas além das mencionadas tiveram que cair nesses últimos anos, mas agora tudo isso é passado e um novo ciclo está começando. Estou animado e realmente espero que você possa me acompanhar nesta jornada. Muito obrigado por hora, até a próxima.

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