Legítima vontade.
Após uma ordem de despejo resolvi filiar-me a movimento de moradia e fui morar em uma ocupação. Era um motel abandonado com aproximadamente 70 famílias. A expectativa de conseguir moradia definitiva através do movimento era grande, pois o sonho da casa própria para um preto ultrapassa a glória de ter um imóvel registrado no nome, simboliza o fim do abuso e assédio imobiliário e o começo da herança dos herdeiros.
A contribuição mensal no valor aproximado de R$200 já representava um sonho realizado, afinal pra quem sempre recebeu R$1.000,00/ mês em sub-empregos, pagar R$700,00/mês ( aluguel/água/luz) de contas fixas garantia a tortura física e psicológica de uma família inteira.
Após inúmeras reuniões de moradia onde o único assunto era o valor da contribuição, regado a discursos políticos e listas com o número do nosso título de eleitor trouxe o seguinte questionamento? Qual era minha legítima vontade?
Morando em quartinho mofado, indigno, banheiro sem porta, fios elétricos à mostra, pisos quebrados, calor da selva de pedra, ouvindo gritos de socorro na esquina da Rua Ipiranga com a Rua São João, minha legítima vontade era desaparecer dali, como em um passe de mágica. E assim foi.