top of page

O Sexo e as Linhagens de Feitiçaria

Atualizado: 22 de fev. de 2022


Foi Allen Ginsberg – bendito seja seu nome, santo de minha igreja – quem me alertou para esse acontecimento pela primeira vez, em sua célebre entrevista à revista californiana Gay Sunshine – a Journal of Gay Liberation de janeiro de 1973. Nela, em algum momento daquela longa e reveladora conversa, ele fala sobre uma espécie de transmissão mágica que ocorreria entre as gerações de gays em geral e de poetas gays em particular, através, principalmente, do sexo oral.

Os mais velhos ganham em vigor, frescor, vitalidade, energia, esperança e alegria por meio dos mais jovens; e os mais jovens ganham em experiência, conselhos, ajuda, consolo, sabedoria, conhecimentos e ensinamentos através da sua relação com os mais velhos. A exemplo do que se verifica em outras relações, a combinação de antigo e novo é funcionalmente proveitosa. Isso difere muito de ser “sexista”, no sentido de que o interesse direcionado ao jovem não é totalmente sexual; vale mais pela relação em si e pela sabedoria a ser obtida. Na teoria de Edward Carpenter e Whitman, o mais velho chupa o pau do mais jovem e dessa forma absorve o seu magnetismo elétrico e vital – segundo uma teoria encantatória e teosófica do século 19. (Allen Ginsberg)*

O ponto que interessa aqui é, partindo da gnose apontada por Ginsberg, seguir rumo à compreensão do sexo como via privilegiada para as transmissões, iniciações ou empoderamentos de linhagem dentro da feitiçaria. O sexo, e a flor branca do desejo que se espalha como água, realiza uma complexidade de afetos e sensibilidades de que não seríamos capazes de esgotar em uma série; gozo sim, mas também dor, aflição e liberação, entrega e agonia, esplendor de aromas – os cheiros, sim, os cheiros que em outra situação seriam rejeitados e que aqui se transmutam, através de uma intensidade singular, em buquê deleitoso e refrigério – fúria, alegria, permissividade, calor e arrepio dos sentidos. Tudo concorre a uma espécie de satori, iluminação súbita, instantes em que dizer “eu” parece mais que impossível, completamente desnecessário, desimportante.

Um certo olhar de feitiçaria: ver no sexo uma técnica ancestral, tão antiga quanto o próprio tempo, de engendrar a beatitude no corpo. Ora, é porque alcançamos com essa técnica a possibilidade de esvaziamento das tensões nervosas produzidas pela repetição neurótica da vida apequenada que nos sufoca no comum diário de produzir e conservar um “eu”, uma personalidade autorreferente e mais ou menos estável ao longo de dado tempo, que o sexo é particularmente valoroso para a transmissão de linhagem.

Vejamos que, em tais transmissões, o que está em destaque é a linhagem mesma, muito mais que as pessoas que a compõe, que aqui funcionam como termos. Há uma operação no nível das forças, uma micropolítica, e uma ancestralidade contagiosa. Uma força que operava naquele que nos inicia, e que vem a nos contagiar, nos habitar também, ela que já esteve naquele que iniciou nosso iniciador e que se ramifica em direções ctônicas ou estelares no desvelar do tempo já olvido.

Então combinamos bem esses dois fatos, primeiro a potência despersonalizante do sexo e segundo o caráter impessoal de que goza a ideia de linhagem. Observando-os bem, compreendemos com facilidade o porquê de eles andarem tantas vezes juntos, se aproximarem em variados grupos ao longo dos milênios dessa contra-história que percorre a feitiçaria. Linhagem e sexo se aliam, se enamoram... É porque produzem, um no outro, o aumento das potências que cada um carrega, e no Sabbath, por quanto alguns setores da bruxaria contemporânea pareça afastá-lo de suas práticas, o sexo ainda geme e goza e nos preenche das forças mais vitais e mais ancestrais que conhecemos enquanto feiticeiros.

© Copyright
bottom of page